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Na mídia

23 outubro 2010

Por que não se deve levar tão a sério as pesquisas eleitorais?

 
A resposta é extremamente simples: porque basta conhecer alguém que já tenha respondido a uma pesquisa para se detectar a fragilidade metodológica de qualquer uma delas – independentemente do instituto responsável por ela.

Não se pode questionar o critério de equivalência da amostra em relação aos extratos sociais da população – classe, faixa etária, renda, escolaridade, religião, etc.

Quando entrevistam cerca de 2 mil ou 3 mil pessoas em uma pesquisa de intenção de voto para presidente, os institutos pretendem que esta seja uma “amostra” o mais fiel possível do que são os 135 milhões de eleitores brasileiros.

Muito bem: para conseguir uma “amostra” equivalente à divisão do eleitorado, os pesquisadores saem a campo – alguns tocando as campainhas das casas, outros abordando as pessoas em trânsito nas ruas. (Há também a pesquisa chamada tracking, feita por telefone, mas que não é considerada tão “fidedigna” quanto as outras.)

Mas qual é o problema dessas pesquisas?

Vamos partir do pressuposto que os institutos são sérios e que jamais se prestariam a “maquiar” resultados com o objetivo de favorecer ou prejudicar este ou aquele partido ou candidato(a). Portanto, essa premissa afasta qualquer a suspeita de que algum instituto esteja deliberadamente escolhendo uma “amostra” que possa resultar num resultado da pesquisa que atenda a algum interesse escuso.

O problema poderia também estar no questionário. A estrutura dos questionários usados pelos institutos já foram alvos de muitas críticas, logo no início da campanha, após denúncias de que a ministra Dilma figurava numa pergunta de determinado instituto como “candidata do presidente Lula”. Mesmo corrigida a pergunta, os questionários ainda podem dar margem a distorções. Vejamos.

Ibope x Datafolha 

A melhor coisa das eleições da era da internet é que quase tudo pode ser checado via web. Os questionários das pesquisas que ainda serão feitas, por exemplo, estão disponíveis para download para qualquer cidadão interessado. Ao analisá-los, pode-se apurar se há ou não alguma “distorção”.

Segue uma breve comparação dos questionários das próximas pesquisas do Ibope (37596/2010) e do Datafolha (37404/2010), a primeira a ser realizada entre os dias 25 e 28/10 e a segunda, no dia 26/10 (dia seguinte ao debate da TV Record).

Uma diferença facilmente notada é a elaboração das perguntas: enquanto o questionário do Datafolha segue uma lógica exclusivamente ligada à eleição, a do Ibope mescla perguntas conjunturais às questões sobre a eleição e os candidatos.

No Datafolha, pela ordem, são perguntados a intenção de voto estimulada (não há opção espontânea), se o eleitor sabe o número do seu candidato, se sua opção pode mudar, se viu a propaganda na TV e que nota dá a cada campanha, se assistiu ao debate da Record na véspera e se algum dos dois foi “vencedor”, se votou no 1º turno e em quem votou, se acha a religião do candidato importante na hora do voto, se um problema de saúde de um dos candidatos importa para a eleição, como avalia o governo Lula, se costuma viajar em feriados prolongados, se pretende viajar no feriado de Finados (quando acontece o 2º turno), qual o partido de sua preferência, qual sua religião, além dos dados sociodemográficos.

Se no questionário do Datafolha nota-se a ausência do tema aborto, no Ibope aparentemente tem-se um questionário mais completo (são sete perguntas a mais) que permite uma análise mais aprofundada do eleitor pesquisado. Por exemplo, o Ibope pergunta se o eleitor ou alguém de sua casa é beneficiário de algum dos programas sociais do governo federal.

O fator Lula

Se por um lado as perguntas deixam a pesquisa mais completa, por outro podem “contaminar” outras respostas a respeito dos candidatos e da campanha. O questionário começa perguntando “Como o(a) sr(a) diria que se sente com relação à vida que vem levando hoje?”, para em seguida perguntar em quem o eleitor pretende votar no 2º turno (resposta espontânea). O questionário segue com perguntas na mesma linha do Datafolha – intenção de voto (estimulada), número do candidato, se mudaria a opção, a campanha na TV, os debates, o voto para presidente no 1º turno, etc.

Algumas perguntas não aparecem no Datafolha: se rejeita algum dos candidatos, o voto para deputado federal, quem o eleitor acha que, independente do seu voto, vai ganhar a eleição. Há uma pergunta, também, sobre os confrontos verificados entre partidários dos candidatos, e qual dos candidatos o eleitor acha que foi mais prejudicado com a repercussão destes episódios.

O que chama a atenção é que as três perguntas de avaliação do governo Lula aparecem em meio às questões acima. Não que a sequência das perguntas possa induzir a alguma resposta, mas não dá para entender por que perguntar sobre o governo Lula antes de perguntar sobre o episódio da agressão a Serra no Rio de Janeiro, nesta semana (o episódio da bolinha de papel / bobina de fita adesiva), e o balão de água etirado contra Dilma em Curitiba?

Em nome da isonomia o Ibope poderia ter deixado as perguntas sobre Lula para o final do questionário. (A oposição poderia questionar, ainda, por que a desastrosa fala de Lula a respeito do incidente contra Serra não foi incluída no questionário.)

Mas como já disse, não pretendo aqui questionar a ética dos institutos de pesquisa. Muito menos do Ibope, empresa na qual trabalhei e que jamais colocaria em risco sua credibilidade conquistada em quase 70 anos de existência.

Pesquisa de campo sob suspeita

Pois mesmo que algum candidato ou partido possa questionar o critério de elaboração do questionário da pesquisa, a maior fragilidade se encontra no "campo". Isso porque alguns dados demográficos do entrevistado (renda, escolaridade, etc.) só são perguntados ao final do questionário. Dependendo da resposta, alguns dos respondentes serão retirados da amostra, por conta desse perfil já ter sido completado. 

O problema está em “como” é feito esse descarte.

Pois o respondente será retirado após ter respondido a todo o questionário – ou seja, após ter declarado em quem pretende votar. Inevitavelmente a metodologia leva ao questionamento de que alguns podem ter sido descartados em razão de sua intenção de voto.

Se a amostragem estatística prever que sejam entrevistados em determinada cidade, por exemplo, 30 eleitores na faixa de 25 a 29 anos, com nível superior e renda de 5 a 10 salários mínimos, mas acabarem sendo entrevistados 40 eleitores neste target, como será decidido o “descarte” dos 10 que sobraram da amostra? Qualquer que seja o critério, poderá gerar desconfiança ou acusações de manipulação de resultados – por parte dos candidatos em desvantagem na pesquisa.

Novamente, vale a ressalva: não dá para acreditar que um instituto como o Ibope se prestaria a um papel desses.

O problema é que alguns desses institutos “sérios” (o próprio Ibope incluído) foram contratados pelo PT, para fazer outras pesquisas específicas sobre a eleição. Nesse caso, a defesa do instituto começa a ficar mais difícil, pois as desconfianças que são "naturais" em qualquer processo de pesquisa ganham corpo com a hipótese de conflito de interesses envolvendo o órgão de pesquisa que deveria ser independente mas que tem vínculos comerciais com determinado partido.

É possível fiscalizar os institutos?

Se somarmos a essa "dúvida" a barbeiragem quase generalizada dos institutos de pesquisa no 1º turno, resta-nos as teses de que a solução seria a existência de algum órgão regulador dos institutos. O próprio TSE, talvez pudesse investigar e coibir tentativas de abuso e punir os responsáveis.

Ninguém que seja defensor da democracia apoia iniciativas de restrição à liberdade de expressão – e as pesquisas são uma espécie de exercício da liberdade de expressão. Qualquer limitação na sua divulgação é uma forma de censura, portanto condenável.

Mas que algo precisa ser feito para aprimorar essa metodologia de pesquisa, precisa. Não-estatísticos como eu tem pouca contribuição a dar – a não ser percepções leigas como as apontadas neste texto.

Enquanto isso, bem que os institutos de pesquisa poderiam zelar um pouco mais pela sua reputação – e evitar dar munição aos seus críticos.

Afinal de contas, como diz o ditado, à mulher de César não basta ser honesta...


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