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Na mídia

14 outubro 2008

O que é ser “do ramo” no jornalismo?

Comecei minha carreira de jornalista num tempo em que se dizia que alguém ou era do ramo ou não era. Àquela época, pouco mais de 20 anos atrás, ainda ouvia-se o barulho das pretinhas – pelo menos na redação de Veja em 1986. As pessoas com quem convivi e trabalhei ao longo dos anos acabaram por me convencer de que eu era “do ramo”. Até aí, nada demais, pois eu fazia apenas o que era minha obrigação: apurar corretamente as matérias, escrever com correção (tentando imprimir algum estilo ao texto) e editar com critério. Criatividade, se houvesse, era lucro. Pois fiz assim durante anos. Até que um dia, no começo do ano 2000, decidi mergulhar de cabeça após ouvir o canto da sereia internet.

Como muitos que se arriscaram nesse mar aparentemente calmo que acabou se mostrando revolto, engoli muita água, quase me afoguei, passei um breve período como náufrago numa ilha deserta, mas fui resgatado com vida. Isso me fez acreditar novamente que é possível explorar esse oceano chamado internet e encontrar tesouros escondidos. Apesar do risco de chocar-se com um iceberg ou um recife.

Mas não é sobre essa vida de marinheiro que quero refletir. Quero falar sobre o grande aprendizado que a internet proporciona. Não estou me referindo à “reinvenção” do jornalismo sob a ótica desta mídia online; nem tampouco às infinitas possibilidades de convergência de meios (tv, cinema, música, vídeo, dvd, mp3) ou de interatividade e conteúdo colaborativo que a plataforma web possibilita.

Quero falar das lições que o trabalho com web possibilita, na prática, aos jornalistas. Quando me recordo do diálogo de surdos que havia entre a redação e a área comercial dos jornais e revistas em que trabalhei, dou vivas à revolução patrocinada pela internet, provando que essa relação não precisa ser tão delicada. Em alguns casos, havia um monólogo: exemplo melhor é do famoso diretor de redação de revista semanal que recebia o diretor comercial na sua sala, continuava digitando em seu computador durante a “conversa” e sequer travava contato visual com o outro. E essas visitas não duravam, nunca, mais que 5 minutos!

Nas pontocom, jornalistas puderam aprender a ver o marketing e a publicidade como uma peça absolutamente necessária para a sobrevivência do negócio e interdependente do que se costuma chamar de “conteúdo”. Sorte de quem aprendeu a lição. Pois não apenas deixou de odiar os colegas do marketing como percebeu que, trabalhando juntos, a soma de experiências e de repertórios resulta em idéias e produtos muito mais criativos.

Quando encontro amigos que trabalham na old media, ainda ouço alguns queixumes sobre “o pessoal da publicidade” e suas incansáveis tentativas de interferir no editorial. Esse passo já foi dado na internet – ainda bem. Mas não sei dizer qual será o próximo passo na evolução do meio online.

Talvez seja colocar um pé atrás, para que se defina com clareza os limites éticos dessa integração. Pois o internauta (ou leitor, ou ouvinte, ou telespectador, enfim, consumidor de mídia) pode ser tudo, menos burro. E ele percebe quando se força a barra naquilo que está publicado ou naquilo que é veiculado. A resposta de como se dará esse “filtro ético” ainda não temos. Melhor deixar a pergunta (e a reflexão) no ar.

Depois de duas décadas de profissão, concluí que jornalista bom tem de ser um cara “do ramo”. Mas atenção: esse “ramo” é que mudou muito. Hoje em dia, alguém do ramo tem de produzir conteúdo, mas também entender de tecnologia, de navegabilidade, de design, de comércio eletrônico, do modelo do negócio, de marketing. E não tenho dúvidas de que, para se buscar o tal filtro ético que talvez ainda nos falte, o fato de o profissional ser “do ramo” ajuda. E ajuda muito.