Uma ode ao bom jornalismo
Para quem é jornalista, não há nada melhor do que ouvir o depoimento de um alto executivo de uma empresa de comunicação defender, com entusiasmo, o investimento das empresas no bom jornalismo. Foi o que Ricardo Gandour fez em encontro promovido pela MegaBrasil, nesta quarta-feira (24), em São Paulo.
Diretor de Informação do Grupo Estado, comandante-mor da reforma editorial e gráfica implementada no dia 14 de março no Estadão, Gandour brindou uma audiência de pouco mais de 70 profissionais da área (em sua maioria da área de comunicação corporativa) com uma ode ao bom jornalismo.
“Sou como o diretor de um hospital, que não consegue ficar sem fazer cirurgiais”, brincou Gandour, em relação à sua atuação como executivo da empresa e como “executor” de tarefas jornalísticas. Explicou que não consegue deixar de opinar nas pautas, de fazer sugestões e de ajudar os editores a melhorar a cobertura feita pelos veículos da casa (como diretor de Informação, é responsável pelo Estadão, JT, Rádio Eldorado, Agência Estado, Portal Estadão, Curso Estado de Jornalismo e o Arquivo).
O que mais impressiona é o entusiasmo com que o executivo fala do projeto que vem sendo desenvolvido pelo Estadão nos últimos anos. Defensor ferrenho das novas tecnologias, desenvolveu para o novo projeto um modelo de integração das várias mídias em que grupo atua. O portal Estadão, por exemplo, também foi reformulado e ganhou uma nova “marca”, semelhante à do jornal impresso, inclusive com o ícone do entregador de jornais a cavalo “Ex-Libris”, marca registrada do jornal.
Mas o jornalismo online defendido por Gandour leva em conta os valores jornalísticos construídos ao longo de 130 anos de tradição do jornal impresso. “Antes do pontocom, vem o Estadão”, define. Um desses valores é a credibilidade, que se sobrepõe à informação que não é apurada corretamente, e acaba sendo publicada irresponsavelmente em nome da “velocidade” da web. Gandour lembrou um dos dogmas do Estadão, sempre defendido pelo patriarca da família Mesquita, Dr. Ruy: “Eu prefiro perder um furo a perder a credibilidade.” O furo faz parte do fazer jornalístico e da concorrência entre veículos, e todo jornal rapidamente se recupera do trauma de ter levado um furo. Já a credibilidade...
O grande ensinamento passado por Gandour em relação às mudanças adotadas pelo Estadão é justamente a aposta no bom jornalismo. Ele explica que não se quis reinventar a roda, ou buscar soluções mirabolantes visando a convergência de mídias. O que se buscou foi uma valorização das características intrínsecas de cada meio, de forma a retratar as histórias de interesse do leitor/internauta com a maior eficácia possível. “Cada veículo tem a sua singularidade.”
Uma medida simples adotada foi a presença obrigatória do editor do portal na reunião de pauta da manhã. Ele traz as notícias que foram veiculadas ao longo da madrugada na web (“como se fosse uma janela para o mundo”) e também apresenta a repercussão que as matérias do jornal do dia estão gerando na internet. Nessa reunião é que se articulam as cooperações possíveis entre os veículos – incluídos aí o JT e a rádio – visando uma otimização de recursos.
Para definir esse modelo de sinergia, Gandour diz que “os veículos estão se tangenciando em relação às coberturas”, num processo de planejamento de pauta integrado. Ou no português claro, estão trabalhando em sintonia para evitar “baterem cabeça”.
O furo do Enem
A defesa de um jornalismo de qualidade foi exemplificada com o furo dado pelo Estadão em outubro do ano passado, em relação ao vazamento da prova do Enem. Ao receber a primeira proposta para “venda” da prova, a repórter Renata Cafardo conversou com o editor, ambos consultaram os editores executivos e a direção, e decidiu-se que o jornal não pagaria pelo documento. Mas ficou acertado que, se fosse verdadeira a prova à venda, haveria uma boa matéria a ser desenvolvida.
A jornalista marcou um encontro com o rapaz que oferecia a prova, num espaço público: uma filial do Frans Café na Avenida Sumaré, na Zona Oeste da Capital, que possuía mesas numa espécie de varanda, onde a conversa pudesse ser monitorada de longe (para segurança da repórter) e que ainda permitisse que um fotógrafo registrasse o encontro do outro lado da avenida. O encontro ocorreu no início da noite e a repórter pediu para ver a prova, para ter certeza de que era verdadeira. Ela pôde fazer isso por cerca de apenas 1 minuto e meio – tempo suficiente para memorizar algumas poucas perguntas. Em seguida, disse ao “vendedor” que o jornal não fazia esse tipo de negócio e cada um tomou seu caminho.
De volta à redação, decidiu-se que o jornal iria informar sobre a proposta recebida ao próprio Ministro da Educação, por e-mail. A mensagem indicaria os temas tratados na primeira pergunta de algumas páginas – que a repórter conseguiu memorizar. A redação aguardou a confirmação, por parte do Ministério (se as perguntas constavam da prova), antes de seguir adiante com a matéria.
Naquela noite, o ministro reuniu-se com os 4 assessores que possuíam, cada um deles, um pedaço da senha que abria o cofre onde estavam guardadas as provas. A confirmação do Ministério de que a prova era verdadeira chegou à redação por volta de 0h15, junto com a informação de que o ministro convocaria uma coletiva para o dia seguinte, anunciando o cancelamento da prova do Enem.
“Foi um caso típico de ‘parem as máquinas’,” lembra Gandour. O editor Marcos Gutterman tomou essa decisão e mudou a manchete do jornal. A edição com o furo atingiu apenas 90 mil assinantes da capital, mas foi um marco da história recente do jornal. Gandour confidenciou que, internamente, discutiu-se muito se, caso a confirmação tivesse chegado uma hora mais tarde, e o furo tivesse sido dado apenas pelo portal Estadão, a repercussão teria valorizado tanto a exclusividade do veículo, como ocorreu de forma generalizada no restante da imprensa. Fica no ar a dúvida. Mas seguramente a credibilidade do impresso pesou na repercussão do furo.
De qualquer forma, a lição que fica é a de que o bom jornalismo predominou na reforma do Estadão. Nas palavras de Ricardo Gandour, a criação de uma “fonte” gráfica exclusiva para o jornal é uma prova de que o jornal ainda acredita no impresso:
“A gente acredita na convergência das mídias. A gente acredita no poder da mídia digital. Mas a gente acredita muito no papel. Acreditamos muito no prazer da leitura em papel. Enquanto ela existir, faremos o melhor jornal possível.”
Diretor de Informação do Grupo Estado, comandante-mor da reforma editorial e gráfica implementada no dia 14 de março no Estadão, Gandour brindou uma audiência de pouco mais de 70 profissionais da área (em sua maioria da área de comunicação corporativa) com uma ode ao bom jornalismo.
“Sou como o diretor de um hospital, que não consegue ficar sem fazer cirurgiais”, brincou Gandour, em relação à sua atuação como executivo da empresa e como “executor” de tarefas jornalísticas. Explicou que não consegue deixar de opinar nas pautas, de fazer sugestões e de ajudar os editores a melhorar a cobertura feita pelos veículos da casa (como diretor de Informação, é responsável pelo Estadão, JT, Rádio Eldorado, Agência Estado, Portal Estadão, Curso Estado de Jornalismo e o Arquivo).
O que mais impressiona é o entusiasmo com que o executivo fala do projeto que vem sendo desenvolvido pelo Estadão nos últimos anos. Defensor ferrenho das novas tecnologias, desenvolveu para o novo projeto um modelo de integração das várias mídias em que grupo atua. O portal Estadão, por exemplo, também foi reformulado e ganhou uma nova “marca”, semelhante à do jornal impresso, inclusive com o ícone do entregador de jornais a cavalo “Ex-Libris”, marca registrada do jornal.
Mas o jornalismo online defendido por Gandour leva em conta os valores jornalísticos construídos ao longo de 130 anos de tradição do jornal impresso. “Antes do pontocom, vem o Estadão”, define. Um desses valores é a credibilidade, que se sobrepõe à informação que não é apurada corretamente, e acaba sendo publicada irresponsavelmente em nome da “velocidade” da web. Gandour lembrou um dos dogmas do Estadão, sempre defendido pelo patriarca da família Mesquita, Dr. Ruy: “Eu prefiro perder um furo a perder a credibilidade.” O furo faz parte do fazer jornalístico e da concorrência entre veículos, e todo jornal rapidamente se recupera do trauma de ter levado um furo. Já a credibilidade...
O grande ensinamento passado por Gandour em relação às mudanças adotadas pelo Estadão é justamente a aposta no bom jornalismo. Ele explica que não se quis reinventar a roda, ou buscar soluções mirabolantes visando a convergência de mídias. O que se buscou foi uma valorização das características intrínsecas de cada meio, de forma a retratar as histórias de interesse do leitor/internauta com a maior eficácia possível. “Cada veículo tem a sua singularidade.”
Uma medida simples adotada foi a presença obrigatória do editor do portal na reunião de pauta da manhã. Ele traz as notícias que foram veiculadas ao longo da madrugada na web (“como se fosse uma janela para o mundo”) e também apresenta a repercussão que as matérias do jornal do dia estão gerando na internet. Nessa reunião é que se articulam as cooperações possíveis entre os veículos – incluídos aí o JT e a rádio – visando uma otimização de recursos.
Para definir esse modelo de sinergia, Gandour diz que “os veículos estão se tangenciando em relação às coberturas”, num processo de planejamento de pauta integrado. Ou no português claro, estão trabalhando em sintonia para evitar “baterem cabeça”.
O furo do Enem
A defesa de um jornalismo de qualidade foi exemplificada com o furo dado pelo Estadão em outubro do ano passado, em relação ao vazamento da prova do Enem. Ao receber a primeira proposta para “venda” da prova, a repórter Renata Cafardo conversou com o editor, ambos consultaram os editores executivos e a direção, e decidiu-se que o jornal não pagaria pelo documento. Mas ficou acertado que, se fosse verdadeira a prova à venda, haveria uma boa matéria a ser desenvolvida.
A jornalista marcou um encontro com o rapaz que oferecia a prova, num espaço público: uma filial do Frans Café na Avenida Sumaré, na Zona Oeste da Capital, que possuía mesas numa espécie de varanda, onde a conversa pudesse ser monitorada de longe (para segurança da repórter) e que ainda permitisse que um fotógrafo registrasse o encontro do outro lado da avenida. O encontro ocorreu no início da noite e a repórter pediu para ver a prova, para ter certeza de que era verdadeira. Ela pôde fazer isso por cerca de apenas 1 minuto e meio – tempo suficiente para memorizar algumas poucas perguntas. Em seguida, disse ao “vendedor” que o jornal não fazia esse tipo de negócio e cada um tomou seu caminho.
De volta à redação, decidiu-se que o jornal iria informar sobre a proposta recebida ao próprio Ministro da Educação, por e-mail. A mensagem indicaria os temas tratados na primeira pergunta de algumas páginas – que a repórter conseguiu memorizar. A redação aguardou a confirmação, por parte do Ministério (se as perguntas constavam da prova), antes de seguir adiante com a matéria.
Naquela noite, o ministro reuniu-se com os 4 assessores que possuíam, cada um deles, um pedaço da senha que abria o cofre onde estavam guardadas as provas. A confirmação do Ministério de que a prova era verdadeira chegou à redação por volta de 0h15, junto com a informação de que o ministro convocaria uma coletiva para o dia seguinte, anunciando o cancelamento da prova do Enem.
“Foi um caso típico de ‘parem as máquinas’,” lembra Gandour. O editor Marcos Gutterman tomou essa decisão e mudou a manchete do jornal. A edição com o furo atingiu apenas 90 mil assinantes da capital, mas foi um marco da história recente do jornal. Gandour confidenciou que, internamente, discutiu-se muito se, caso a confirmação tivesse chegado uma hora mais tarde, e o furo tivesse sido dado apenas pelo portal Estadão, a repercussão teria valorizado tanto a exclusividade do veículo, como ocorreu de forma generalizada no restante da imprensa. Fica no ar a dúvida. Mas seguramente a credibilidade do impresso pesou na repercussão do furo.
De qualquer forma, a lição que fica é a de que o bom jornalismo predominou na reforma do Estadão. Nas palavras de Ricardo Gandour, a criação de uma “fonte” gráfica exclusiva para o jornal é uma prova de que o jornal ainda acredita no impresso:
“A gente acredita na convergência das mídias. A gente acredita no poder da mídia digital. Mas a gente acredita muito no papel. Acreditamos muito no prazer da leitura em papel. Enquanto ela existir, faremos o melhor jornal possível.”